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quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Bora sangrar?


Talvez seja uma coisa normal chegar em alguma fase ou situação da vida onde a gente se sinta um pouco hipócrita. Eu sempre critiquei (seja nos meus pensamentos ou em pronunciações) a falta de gratidão das pessoas ou, pra ser mais específica, a tendência em deixar de lado as coisas simples e que acontecem naturalmente em prol das situações desafiantes e causadoras da popular “ansiedade boa”. Essas situações desafiantes seriam as paixões impossíveis, platônicas, a insistência em querer pessoas que evidentemente não corresponderiam porque a ansiedade gerada nesse tipo de situação causa a ilusão de que a gente está sentindo. Mas o que de fato acontece sempre me pareceu ser o extremo oposto. Uma fuga em massa do amor. Um amor que envolve quebra de ideais de perfeição e completude, e que levaria as pessoas a encararem suas partes mais escondidas e que não as dão orgulho. Porque é isso que vem à tona quando se tem intimidade. A escolha do impossível sempre deixa tudo na superficialidade e no que a gente imagina ali, frente à máscara do outro. 

Vou, num ato de extrema modéstia (sqn), citar a mim mesma, porque a desordem dos poemas por vezes é a única que encontra, na sua falta de palavras, mais significados para as coisas...
"Grite palavras de desapego

Critique o tédio das novelas

Então, entedie-se em minha simplicidade

Me conte sobre o quanto sou amável
E não saiba me amar
Enxergue em mim uma tolice afável
Por não jogar
Por fazer das palavras sim e não elas mesmas
E me defina a pessoa mais esma
Sinta saudades de um desafio
Que embace sua visão
Que cubra tudo com um vento frio
Que te poupe de usar tanto o coração"

Existe um curta que ficou razoavelmente famoso na internet nos últimos anos chamado He took his skin off for me. Eu falo sobre ele o tempo todo a ponto de imaginar todos meus amigos não aguentando mais ouvir a respeito, mas por algum motivo sempre negligenciei escrever sobre. Se assistido sem muita atenção, o curta parece se tratar de um relacionamento onde uma pessoa abandona a sua identidade e muda pelo outro. Mas se analisarmos com cuidado poderemos perceber uma metáfora mais complexa. Uma pessoa que tira sua pele se descobre, fica desprotegida, sem a capa. O próprio curta metaforiza isso, já que ele ficou mais sensível ao frio. Isso não é se tornar uma pessoa diferente, é deixar de lado tudo que te protege e se deixar ser sensível e vulnerável. Ele mostrou de fato quem ele é cruamente tirando a pele. E, naturalmente, houveram consequências. Ele passa a escorrer sangue o tempo todo, sujar a casa, sujar as roupas, suas relações sociais não foram mais as mesmas. E ela, ao mesmo tempo em que ama esse eu cru e real dele, tem dificuldades em lidar. E ela mantém seus medos próprios, se recusa a tirar a pele também. Até porque, olhando pra ele ela vê os prejuízos pessoais e sociais que isso pode trazer. 

Se pararmos pra pensar a maioria das pessoas não quer realmente nos conhecer, elas querem uma pessoa aparentemente forte, mascarada, sem falhas, pessoas funcionais! Num relacionamento as pessoas têm medo de se mostrar de verdade pois, como ele, ficariam desprotegidas, com suas feridas abertas, sangrando o tempo todo. Afetáveis. Sempre que alguém é acessível está automaticamente em risco. Pode se machucar, pode ser criticado, pode ser obrigado a encarar as próprias angústias e medos. E, aparentemente, poucos estão prontos pra isso.

Mas porque eu comecei o texto falando de hipocrisia? Por conta daquele antagonismo entre o simples e o desafiador, onde o simples costuma ser desprezado e taxado de sem graça apenas por tornar tudo possível e passível de alguma profundidade. Eu me imaginava completamente coerente com essa filosofia da simplicidade até ouvir de uma amiga, enfaticamente e mais de uma vez, a frase “Brenda, você não aceita a felicidade”. Então eu percebi que inconscientemente eu seguia sim a filosofia do desafio, estando sempre com pessoas com as quais eu tinha que fazer um esforço tremendo pra que tudo desse certo. Sim, eu estava tirando a pele, mas sempre escolhendo alguém que provavelmente não tiraria junto comigo. 

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