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sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Histeria

Eu conheço essa gastrite que se confunde com falta de fome. O vazio grita e, conformadas, bebemos mais café. Pra nela se perder. Pra senti-la melhor. No corpo. A digestão do nada. Digestão de si mesmo. Toda palavra não dita - por falta de vontade ou oportunidade - derretida no ácido interno. Cadê aquele refrigerante? Talvez ele limpe a ferrugem de dentro também. No extremo do vazio apresenta-se o excesso. A gula que acaba por causar anestesia. O vazio e a compulsão de mãos dadas. Cadê aquela cerveja? Pra deixar as definições de limite atualizadas. E nem há mais vômitos. Tudo guardado. Cheio. Vazio. E agora um desmaio, que terá seu fim na manhã seguinte. Afogado noutro copo cafeinado enquanto os órgãos tremem e a pressão abaixa.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Bora sangrar?


Talvez seja uma coisa normal chegar em alguma fase ou situação da vida onde a gente se sinta um pouco hipócrita. Eu sempre critiquei (seja nos meus pensamentos ou em pronunciações) a falta de gratidão das pessoas ou, pra ser mais específica, a tendência em deixar de lado as coisas simples e que acontecem naturalmente em prol das situações desafiantes e causadoras da popular “ansiedade boa”. Essas situações desafiantes seriam as paixões impossíveis, platônicas, a insistência em querer pessoas que evidentemente não corresponderiam porque a ansiedade gerada nesse tipo de situação causa a ilusão de que a gente está sentindo. Mas o que de fato acontece sempre me pareceu ser o extremo oposto. Uma fuga em massa do amor. Um amor que envolve quebra de ideais de perfeição e completude, e que levaria as pessoas a encararem suas partes mais escondidas e que não as dão orgulho. Porque é isso que vem à tona quando se tem intimidade. A escolha do impossível sempre deixa tudo na superficialidade e no que a gente imagina ali, frente à máscara do outro. 

Vou, num ato de extrema modéstia (sqn), citar a mim mesma, porque a desordem dos poemas por vezes é a única que encontra, na sua falta de palavras, mais significados para as coisas...
"Grite palavras de desapego

Critique o tédio das novelas

Então, entedie-se em minha simplicidade

Me conte sobre o quanto sou amável
E não saiba me amar
Enxergue em mim uma tolice afável
Por não jogar
Por fazer das palavras sim e não elas mesmas
E me defina a pessoa mais esma
Sinta saudades de um desafio
Que embace sua visão
Que cubra tudo com um vento frio
Que te poupe de usar tanto o coração"

Existe um curta que ficou razoavelmente famoso na internet nos últimos anos chamado He took his skin off for me. Eu falo sobre ele o tempo todo a ponto de imaginar todos meus amigos não aguentando mais ouvir a respeito, mas por algum motivo sempre negligenciei escrever sobre. Se assistido sem muita atenção, o curta parece se tratar de um relacionamento onde uma pessoa abandona a sua identidade e muda pelo outro. Mas se analisarmos com cuidado poderemos perceber uma metáfora mais complexa. Uma pessoa que tira sua pele se descobre, fica desprotegida, sem a capa. O próprio curta metaforiza isso, já que ele ficou mais sensível ao frio. Isso não é se tornar uma pessoa diferente, é deixar de lado tudo que te protege e se deixar ser sensível e vulnerável. Ele mostrou de fato quem ele é cruamente tirando a pele. E, naturalmente, houveram consequências. Ele passa a escorrer sangue o tempo todo, sujar a casa, sujar as roupas, suas relações sociais não foram mais as mesmas. E ela, ao mesmo tempo em que ama esse eu cru e real dele, tem dificuldades em lidar. E ela mantém seus medos próprios, se recusa a tirar a pele também. Até porque, olhando pra ele ela vê os prejuízos pessoais e sociais que isso pode trazer. 

Se pararmos pra pensar a maioria das pessoas não quer realmente nos conhecer, elas querem uma pessoa aparentemente forte, mascarada, sem falhas, pessoas funcionais! Num relacionamento as pessoas têm medo de se mostrar de verdade pois, como ele, ficariam desprotegidas, com suas feridas abertas, sangrando o tempo todo. Afetáveis. Sempre que alguém é acessível está automaticamente em risco. Pode se machucar, pode ser criticado, pode ser obrigado a encarar as próprias angústias e medos. E, aparentemente, poucos estão prontos pra isso.

Mas porque eu comecei o texto falando de hipocrisia? Por conta daquele antagonismo entre o simples e o desafiador, onde o simples costuma ser desprezado e taxado de sem graça apenas por tornar tudo possível e passível de alguma profundidade. Eu me imaginava completamente coerente com essa filosofia da simplicidade até ouvir de uma amiga, enfaticamente e mais de uma vez, a frase “Brenda, você não aceita a felicidade”. Então eu percebi que inconscientemente eu seguia sim a filosofia do desafio, estando sempre com pessoas com as quais eu tinha que fazer um esforço tremendo pra que tudo desse certo. Sim, eu estava tirando a pele, mas sempre escolhendo alguém que provavelmente não tiraria junto comigo. 

Dos não atos

Não vou recitar esquimó
Ou compartilhar minhas filosofias
Sobre a interação entre mapas
Gritar presencialmente refrões de musicas
dizendo frases como "I fall"
Ser meio ridícula e ruborizar
Tentando racionalizar conexões intuitivas
Fazer um monólogo
Sobre aquelas duas horas do meu dia
Onde eu me distraí de tudo
Acordar com a disposição de três mulheres
Pra passar um café mascavado

Não vou mostrar meu álbum de fragmentos
Minha atenção aos detalhes
O potencial protetor do meu foco
Mostrar memória sobre as primeiras frases ditas
E sobre tudo considerado importante
Explicar a diferença entre pele e carne
Tirar da obscenidade os momentos de conforto
Fazer ver-se o poder do ombro nu
Chorar desavergonhadamente de alegria
Assustar com as disritimias repentinas do meu peito
Pedir desculpas por ser piegas

Não vou escutar todas as músicas
Ou ver todos os filmes
E séries, e matérias e poemas em inglês
Aplicando seus trechos únicos em minha vida
Deixando-os me modificar
Roubar gestos e expressões
E me divertir ao ver a esponja que sou
Ser um tudo em possibilidade e prontidão
Exemplificar a importância das concessões
E pequenos non egoísmos

Noutro rasgo, outro não.

domingo, 16 de outubro de 2016

Despuxada

Assunto despuxado
Eu me curvo e grito uma saudade
Escuto um elogio
Me assusto com uma reclamação
Já que das demoras 
A minha é de fato maior
Mas não se cala
Como se desistisse e perseverasse 

Dançam os silêncios e os prazos
Os entusiamos repentinos
E o barulho surdo do vácuo ricocheteando
Ora o peito se enche de ar
Ora nem lembra como se respira
Em meio a esquecimentos propositais
E pegadas de sono

O que é isso?

Uma disposição já morta
Ou uma que se nega a morrer?
As trilhas sonoras mudas
Firmes em se manterem presentes

O que é isso?

Onde eu me localizo no tempo?
No oco da cavidade arterial
o quão ressoa o meu nome?
Poderia ele ter se feito esquimó?
Ou talvez a calma da pronuncia
O fez sonífero de cavalo

Se tenho bons sonhos 
Acordo com gastrite
Se os impeço de voar
Pareço esmaecer junto
Nem a impossibilidade
Permite agarrar-se
Roubando de mim 
Até as palavras duras

A essa ambiguidade engessada
Apenas anuncio
Que meu nome
Ressoante ou não
Já originou-se sendo espada
Pronto pra enfrentar o eco